A maioria dos municípios de Santa Catarina caminha para fechar as contas no vermelho. Os dados mais atualizados da prestação de contas municipais – de janeiro a agosto deste ano – revelam que 85% das cidades do Estado (251 de 295) estão com quadro de déficit orçamentário, ou seja, estão gastando mais recursos do que possuem em receita.
Na soma de todas as prefeituras, são R$ 13,9 bilhões de despesas já orçadas frente a um volume de receita de R$ 12,6 bilhões: isso representa um déficit geral de R$ 1,3 bilhão.
Das 10 cidades que mais arrecadam no Estado, nove delas estão atualmente no vermelho. Joinville, a mais rica, é a única que foge à regra: tem receita calculada em R$ 1,18 bilhão e gasto projetado em R$ 1,14 bilhão. Já a capital Florianópolis excede os gastos em R$ 73 milhões.
A situação ainda pode ser revertida, já que a prestação de contas deve passar por atualização entre os meses de setembro e dezembro. Mas o cenário não deixa de ser preocupante. A Federação dos Municípios Catarinenses (Fecam) já considera a situação como uma “grave crise financeira”.
Estudo aponta que repasse é insuficiente
Um estudo realizado pela entidade aponta que o atual repasse feito através do Fundo de Participação dos Municípios não é suficiente para que as prefeituras contemplem todos os gastos. Segundo o documento, atualmente o governo federal concentra 59,6% de toda a arrecadação tributária, os Estados 23,14% e os municípios 17,26%.
A média de recursos voltados para investimentos, como construção de novos postos de saúde ou escolas, gira em torno de 4,8% de tudo que o município arrecada. Outro dado discutido pelo relatório é que 83,64% das receitas municipais resultam de transferências da União e do Estado, gerando “a dependência dos municípios”.
“A situação é ainda mais problemática ao identificar que desses recursos de capital, em média 1,32%, são oriundos das operações de crédito e 3,11% depende dos convênios do Estado/União ou de emendas parlamentares”, apresenta o estudo.
– Os municípios estão fazendo custeio, senão vão ficar na dependência de operações de crédito. Hoje eles estão com dificuldade para contratação de crédito, pois não conseguem mais pagar. Ou se gera uma dependência dos convênios, o que envolve jogo político – diz Celso Vedana, diretor institucional da Fecam.
Vedana ainda enfatiza que o governo federal insiste em manter os municípios dependentes.
– E os parlamentares se aproveitam dessa dificuldade através das emendas. Esse é um gravíssimo problema no nosso sistema – conclui.
A responsabilidade de gestão dos municípios
De acordo com especialistas, o problema de gastos não se trata apenas de uma questão sobre o quanto é repassado aos municípios, mas também do papel da administração municipal na manutenção das próprias contas.
A professora de Administração da Udesc Ivoneti Ramos explica que alguns municípios procuram evitar o endividamento através da alienação de bens.
– Poderia se especular porque a despesa é maior que a receita. E aí caímos na gestão, por exemplo, a falta de planejamento na utilização do recurso. Quando muitas vezes o orçamento fica subestimado e quando vai se realizar é necessário suplementação. E ainda há o elemento corrupção, onde parte dos recursos acaba não sendo aplicada no fim que deveria e tem que ser novamente repensada, refinanciada – diz a professora.
O professor Arlindo Carvalho Rocha, que também leciona no curso de Administração da Udesc, entende que há concentração tributária na União, mas também aponta problemas na própria gestão municipal:
– De fato a nossa arrecadação tributária é extremamente concentrada na União. Provavelmente hoje o que é distribuído proporcionalmente aos municípios é muito pouco. Do outro lado, os municípios deveriam melhorar a gestão. Há gestões muito ruins, que jogam dinheiro fora desnecessariamente, com folhas de pagamento inchadas – diz.
Entrevista com Arlindo Carvalho Rocha, administrador e professor
É comum, na época dos dados (janeiro a agosto), que os municípios estejam no vermelho?
Arlindo Rocha – Não deveria ser. Trata-se de uma autorização para executar despesas. Ocorre que o orçamento é feito no ano anterior e ele tem uma previsão de arrecadação para o ano seguinte e essa arrecadação pode ser menor, igual ou maior do que o previsto. Dificilmente é igual. Normalmente é maior se o país estiver crescendo, se o PIB estiver aumentando. Ou então menor, que é o nosso caso, de PIB caindo.
Mesmo com organização há essa influência do PIB?
Rocha – Isso provavelmente está fazendo com que os municípios arrecadem menos, uma vez que o próprio governo federal está arrecadando menos e está vindo menos recursos do Fundo de Participação dos Municípios. Teoricamente não deveria acontecer isso, ou seja, os municípios deveriam se reorganizar de forma a não empenhar despesas impossíveis de serem pagas. Mas no momento de crise, o que os prefeitos normalmente fazem é empenhar de acordo com a previsão orçamentária. E aí tentam balancear as finanças até o final do ano.
Quais pontos podem ser melhores na gestão pública dos municípios?
Rocha – Normalmente se tem cargos comissionados que, de um modo geral, entram no serviço público pela janela, não entendem do que estão fazendo, vieram por conta de uma indicação política. Até que eles aprendam já se passou um tempo e recursos foram consumidos. Além disso temos órgãos e secretarias que são conflitantes que acumulam despesas. Uma das soluções seria a redução da burocracia que amplia o custo da administração pública.
E como a população sente os efeitos?
Rocha – Na medida em que você vai jogando dívidas para frente – e o governo terá que pagar essas dívidas por bem ou por mal – uma hora começa a faltar dinheiro para manter as políticas públicas em saúde, educação, etc. Aí você acaba vendo escola caindo aos pedaços, posto de saúde que não funciona. É uma bola de neve. Em algum momento é preciso colocar as contas em dia. Só que isso, do ponto de vista individual e da família, é fácil fazer. Agora imagine isso numa cidade em que milhares ou milhões de pessoas estão pressionando. Em um momento em que a economia do país está crescendo, o problema se dilui. Mas num momento de crise, como estamos agora, aí complica.
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